ARROZ COM ÍNDIO
por Tiberio Alloggio
O problema da retirada dos arrozeiros da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e as declarações do General Augusto Heleno questionando a política indigenista, trouxeram de volta a mesma polêmica de sempre sobre Amazônia, sua ocupação, e sua integração nacional.
Os “velhos argumentos” de sempre voltaram à tona, bateu-se nas ONGs, falou-se de internacionalização da Amazônia, para (de novo) teclar na segurança e soberania nacional. Tudo isso, para colocar em choque o sacrossanto direito às terras aos indígenas.
A Reserva Raposa Serra do Sol fica em área de cerrado, lá conhecido como savanas, que tive a oportunidade de conhecer trabalhando na região ainda no início dos anos noventa.
A questão central é a retirada de fazendeiros que, a partir dos anos setenta, invadiram a reserva, vindo de fora e quase todos oriundos das terras gaúchas, com experiência na produção do arroz.
A invasão não foi espontânea, ela foi induzida pelos governos locais para ocupar áreas com objetivos econômicos, e os arrozeiros aproveitaram a oportunidade oferecida-lhes, ou seja, potencial produtivo e logística garantida pelas estradas estaduais e os eixos rodoviários federais (BR 174 e BR 171).
Uma grande parte dos invasores já sabia que não podiam ocupar, pois a terra já era reconhecida como indígena, e a demarcação estava ocorrendo. Como em qualquer processo de grilagem, seus propósitos visavam às indenizações de uma retirada posterior.
Ocupando irregularmente as terras, sem títulos, e favorecidos com a demora da demarcação, os fazendeiros acabaram se tornando importantes agentes econômicos, e “mentores do processo civilizatório”, além de influentes atores políticos, dando sustentação econômica aos políticos do Estado.
Com isso, a retirada dos fazendeiros da Reserva tornou-se um problema econômico e político.
Ainda que a situação hoje possa aparecer embaralhada, os fazendeiros terão que sair mesmo da reserva, ou no limite, permanecer como arrendatários, produzindo e entregando a renda da produção aos índios, pois a renda do que for produzido na reserva é dos índios. É isso que significa, efetivamente, a demarcação.
Se saírem, os produtores/invasores poderão continuar a produzir em outras áreas cedidas pelos Governos, pois a região das savanas é mais ampla que a das terras indígenas, e o Estado de Roraima poderá recuperar, em pouco tempo, a produção perdida na reserva.
Mas aqui cabe uma outra pergunta, que introduz a questão eminentemente indígena e da política indigenista. Por que é preciso haver a perda da produção de arroz dentro da reserva? Essa produção não poderia ser assumida pelos índios?
Há muitos índios que são contra a retirada dos “não índios”, porque eles promoveram uma geração de trabalho e renda. Então por que não se pensar em uma “reforma agrária indígena”?
Os “indigenistas românticos” já se declaram contra sustentando que a cultura tradicional, de caráter artesanal, primária, sairia abalada. Além do mais levantam dúvidas sobre a capacidade técnica e gerencial dos índios em manter produtividade e qualidade. Mas isso não poderia ser atendido com um programa de assistência ou extensão rural e financiamentos à produção?
Pode até parecer incrível, mas os “indigenistas românticos” não perceberam que na reserva Raposa Serra do Sol, há décadas, a base econômica dos índios é a pecuária, que quase em nada tem a ver com as suas tradições milenares. Então por que não propiciar aos índios da Reserva Serra do Sol a continuidade da rizicultura na área?
Apesar de a população indígena já viver no século 21, os “indigenistas românticos” persistem em preferir que os índios continuem “assistidos” e “preservados em sua cultura original”, e o resultado dessa política “imobilista” tem sido transformá-los, ao longo de décadas, em povos marginalidos e indigentes. Não está mais que na hora de re-considerar a política de integração dos índios ao “mundo moderno”?
A retirada dos arrozeiros é sim “questão de polícia”, eles não são apenas invasores de terras indígenas, antes de tudo são invasores de propriedades da União. Invadem (na Amazônia toda), se instalam, sob tolerância (e até apoio) dos Poderes Públicos e depois fazem greves, e passeatas, para que seus “direitos adquiridos” sejam reconhecidos.
Se tratasse do MST teriam sido expulsos a balas há muito tempo, mas sendo fazendeiros, e alguns de grande porte, contam com inúmeros beneplácitos.
Porém a questão mais importante que a Reserva Raposa Serra do Sol trouxe a tona, é o que fazer com produção e equipamentos lá implantados, e qual será a participação dos índios nessa solução. Ou seja, a política indigenista precisará ser revista e adequada a partir das mudanças já ocorridas nas próprias populações indígenas à luz do século 21.
O Autor é Sociólogo e escreve em vários Blogs
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