sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

ANÁLISES e OPINIÕES

A LÓGICA DO TRANSITO


Por Tiberio Alloggio (*)

Uma das características fundamentais do crescimento urbano é a necessidade das pessoas se movimentarem a distâncias cada vez maiores.

A cidade é um local de concentração de trabalho e de serviços, que são os motivos principais pela qual ela cresce. O seu crescimento é sempre uma conjugação de aumento da população local com a migração dos que buscam oportunidades e serviços na cidade.

As pessoas trabalham na cidade, e quase sempre moram longe de onde trabalham. Com a expansão territorial urbana os locais de trabalho vão ficando cada vez mais distantes da moradia, o que implica além da movimentação, um maior uso das vias públicas. Também há outros motivos que contribuem para o aumento de tráfego: a movimentação para educação, para saúde, para compras, etc.

Torna-se necessário então, ampliar as vias existentes, assim como abrir novas para estabelecer novas ligações e dar vazão aos fluxos crescentes de pessoas e veículos.

A movimentação da residência para o trabalho, e a procura de serviços (quase sempre concentrados) é a principal razão dessa demanda de mobilidade que ocorre de diferentes maneiras: a pé, de bicicleta, motocicleta, automóvel, táxi, transportes coletivos, etc. O principal suporte à movimentação são as vias públicas. O seu uso, caracterizado como trânsito ou tráfego, quando excessivo, gera os conhecidos problemas de acidentes e de congestionamentos.

Em Santarém (como em qualquer outra cidade), a disputa pelas vias nos dias e horários de maior movimento, gera verdadeiras batalhas urbanas, agravada mais recentemente pelo aumento de carros, e principalmente pela explosão do numero de motocicletas, que disputam espaços com os carros e até mesmo com outras motos.

Essa "guerra urbana" deixa mortos e feridos e leva a sociedade a reclamar soluções e às autoridades a buscá-las, o que enfrenta grandes dificuldades.

A maior delas é a contradição intrínseca na natureza humana, ou seja, a contradição entre o desejo individual e o interesse coletivo.

O que move o desejo individual é a busca da comodidade, da segurança e da economia (de tempo e de custos). Nesse caso, o maior objeto de desejo é dispor de um automóvel seguro e confortável, circulando por vias vazias para chegar ao seu destino. Uma comodidade que nunca poderá ser plena pelas restrições econômicas (custo dos automóveis e sua manutenção) e pelos limites da infra-estrutura.

A classe mais abastada, que não tem restrições econômicas, e a “opinião publicada” que a representa, entende que a solução está na ampliação do transporte coletivo de massa. Mas elas mesmas não querem usá-lo. Querem o transporte de massa para os outros, para liberar as vias públicas e tornar seu tráfego mais tranqüilo.

Para esse segmento o uso do transporte particular é a melhor solução. Melhor do que buscar a alternativa no transporte público, que tem a sua rigidez, além do problema da má qualidade dos serviços.

A lógica individual nunca é questionada, por isso, acidentes e congestionamento nas vias públicas geram (paradoxalmente) uma reação contrária ao que seria lógico esperar (soluções integradas e coletivas). Por isso a elite, através da “opinião publicada”, acaba se revoltando contra outros segmentos (motoqueiros), ou (quando petistas) contra as autoridades públicas, supostamente culpadas de tudo.

Para entender melhor o fenômeno do explosivo crescimento da circulação das motos nas ruas de Santarém (e em todas as outras cidades) é preciso conhecer melhor a atividade econômica que dá origem e suporte a esse trânsito.

A existência de uma demanda de mobilidades e de entrega rápida deu suporte ao desenvolvimento da atividade de moto-fretistas: moto táxi, entrega em domicílio (pizzas, remédios, água, gás e outras encomendas). Essas atividades atraem os usuários em função da agilidade e do baixo custo do transporte, e do preço de entrega embutido no produto. É nesse quadro que emergiu o aumento da frota de motocicletas, gerando aparentemente, um círculo vicioso (virtuoso para eles).

O trânsito não é um fato gerador primário. Ele é uma resultante de necessidades e desejos que levam as pessoas a se movimentarem dentro da cidade. Dessa forma não é suficiente atuar sobre as resultantes, mas é preciso indagar os fatos geradores, e de como as autoridades públicas podem atuar sobre esses.

São públicos e notórios os esforços produzidos pela atual administração pública nessa área. O aumento e melhoria da malha viária, o aumento das linhas coletivas e dos abrigos de passageiros, a melhor sinalização, e a regulamentação do serviço de moto táxi, estão sob os olhos de todos.

Porém, para ordenar e reduzir o trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas, as autoridades precisam estudar melhor e conhecer mais sobre os fenômenos primários que resultam no aumento do trânsito.

O diagnostico, o planejamento, e a logística são os principais instrumentos que as autoridades podem dispor para que uma cidade como Santarém possa atacar os problemas na fonte e não nas conseqüências. Antes que os egoísmos individuais vençam os interesses coletivos, e se torne tarde demais.


O autor é sociólogo e escreve em vários blogs

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