sexta-feira, 30 de novembro de 2007

ANALISES e OPINIÕES

Governo ajuda madeireiras a devastar a Amazônia

Por Maurício Torres, do Pará

A enorme maioria das terras na Amazônia são públicas. E a enorme maioria das terras públicas na Amazônia está grilada. O roubo de terras, de tão comum, banalizou-se e, não raro, é tido como ato heróico: a prova de espírito desbravador e bandeirante, do empreendedor que desafia as maiores adversidades para levar à selva o progresso e o desenvolvimento.
Mesmo quando esse “empreendedor” rouba territórios indígenas e de outros povos da floresta, valendo-se sempre de muita violência, há quem defenda que, ao expropriar essas populações e relegá-las a um subemprego, fazem um grande bem, salvando-as de seu modo pré-histórico de mísera existência e promovendo-as à moderna condição de empregadas. Ou seja, ao roubarem-lhes tudo, os “empreendedores” da Amazônia estariam desempenhando uma ação “civilizatória”.
Em Mato Grosso, a tomada de grande parte dos territórios das populações originárias – e um longo enredo de massacres testemunha a “metodologia” adotada – acabou sendo legitimada por tortuosos caminhos. Aliás, nesse enredo, foi expedida a documentação a muitas áreas onde hoje estão os campos da soja, nosso “orgulho nacional”, o paradigma do agronegócio.
Em estados como o Pará e o Amazonas, apesar de imensas extensões estarem controladas por grileiros, eles ainda não conseguiram “esquentar” a apropriação. A terra continua formalmente em nome da União ou dos estados. Isso não lhes causa maiores problemas. Vendem seus bois, soja, arroz ou qualquer outra coisa que plantem ou criem sem que ninguém pergunte se a área onde isso foi produzido é documentada ou se é terra pública ilegalmente tomada. Até para a obtenção de financiamentos, a grilagem não é empecilho. Quando os bancos públicos endurecem um pouco, pode-se obter recursos com a Cargill, por exemplo, que patrocinou na região de Santarém a derrubada de florestas primárias e o plantio de soja em áreas sem nenhuma documentação de propriedade, no mais claro incentivo à grilagem e ao crime ambiental.
Nesse sentido, a extração madeireira seria diferente do boi e da soja: para derrubar e transportar madeira há que se ter a devida licença e, para isso, teoricamente, seria necessária a documentação fundiária. Porém, a complacência de sucessivos governos com a grilagem decidiu que seria rigor excessivo exigir a prova de propriedade da terra para se conceder a autorização para extração madeireira. Assim foi até 2003. O saque das florestas públicas em benefício de uma meia dúzia de madeireiros era oficialmente licenciado.
A partir de 2004, o Ibama altera sua conduta, de modo que qualquer Plano de Manejo Florestal (PMF) só será aprovado caso o requerente apresente o título de propriedade da terra. Aliás, nada além do que determina a lei. No final desse ano, a direção nacional do Ibama recomenda ainda o cancelamento dos PMF que houvessem sido aprovados em terras não tituladas.
O então gerente do Ibama em Santarém-PA, Paulo Maier, foi o único a cumprir a recomendação, enfrentando, por conta disso uma enorme pressão de madeireiros e grileiros. Os madeireiros queixavam-se de que o setor mergulharia em uma terrível crise por conta do posicionamento do Ibama. Ironicamente, a própria queixa era uma auto-declaração de que todo o setor atuava na ilegalidade, roubando madeira de terras públicas.
A “solução final” para perenizar o saque das florestas públicas e efetivar sua entrega definitiva ao madeireiro já estava a caminho: a Lei de Gestão de Florestas Públicas. Porém, todos sabiam que ainda se demorariam alguns anos para pô-la em prática. Assim, o milionário e ilegal agronegócio da madeira no oeste do Pará começa o ano 2005 em xeque. O que ninguém sabia era que, em bastidores, costurava-se, sob o manto da reforma agrária, uma nova forma para garantir ao agronegócio, maneira para que seguisse se apoderando das florestas públicas.

“Um uso criminoso da reforma agrária”
Em 2005, o Incra inaugura a Superintendência Regional de Santarém (SR-30) e inicia uma colossal criação de assentamentos. Pedro Aquino de Santana, o superintendente, alardeia ser conhecido por Lula pela alcunha de “o homem da reforma agrária”. A maioria dos assentamentos criados são da modalidade Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que, entre outras particularidades, mantém no mínimo 80% do assentamento como área de uso coletivo e administrado por uma associação (teoricamente) formada pelos assentados.
Simultaneamente à produção em massa de assentamentos, os madeireiros voltam à cena como os grandes paladinos da reforma agrária. A imprensa local registra as mais curiosas declarações: “presidente do Sindicato de Indústrias Madeireiras do oeste do Pará (Simaspa) diz que o setor madeireiro é o maior interessado na implantação dos PDS”; “madeireiros concordam em abrir mão do direito às suas posses para a criação de PDS”; “madeireiros disponibilizam 100.000 hectares para a criação de PDS”; “Segundo o Simaspa, as indústrias madeireiras já passaram ao Incra as coordenadas para a implantação dos PDS”; (Jornal de Santarém e Baixo Amazonas, dez. 2005).
A devoção dos madeireiros à causa da reforma agrária chega ao ponto desses abnegados oferecerem-se a dividir com o Incra os custos para criação de assentamentos. Segundo um servidor da SR-30 que pediu para não ser identificado, “para que as equipes fossem a campo fazer os trabalhos para criação de assentamentos, os madeireiros ofereciam e garantiam a verba para combustível, manutenção de veículos e mais o que fosse preciso”.
Por trás de tamanho altruísmo, ocultava-se um pacto que o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira qualificou como “um uso criminoso da reforma agrária”: seriam usados assentamentos como área regularizada em termos fundiários para a extração de madeira. O governo federal conseguia a façanha de usar a reforma agrária para um fim diametralmente oposto: garantir a apropriação dos recursos pelo madeireiro, mesmo que isso viesse em prejuízo de camponeses sem-terra e povos da floresta.

“Olha, os assentamentos podem resolver o problema do setor madeireiro lá na região”
Diretor do Incra abre esquema em gravação

Os bastidores do esquema são explicados pelo próprio diretor Nacional de Programas do Incra, Raimundo Lima. Na conversa gravada e transcrita abaixo, Lima conta de uma reunião, em novembro de 2004, envolvendo madeireiros e o primeiro escalão do Incra e do Ministério do Meio Ambiente, onde tudo foi tramado:
“No momento daquela reunião foi provada a inviabilidade de a Lei de Gestão de Florestas Públicas resolver de imediato o problema dos madeireiros e foi efetuada uma sugestão. Primeiro: o, hoje, diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro, o Tasso [Azevedo] [...] e também o doutor Paulo Capobianco, que hoje é secretário-geral do Ministério [do Meio Ambiente] e na época era secretário de Biodiversidade, fizeram uma sugestão: ‘quantos assentamentos o Incra tem lá na região?’ O superintendente respondeu e aí eles disseram: ‘Olha, os assentamentos podem resolver o problema do setor madeireiro lá na região’. Aí, os madeireiros disseram: ‘Olha, mas nesses assentamentos que tem lá no Pará não existe mais madeira, não vai cobrir as nossas necessidades, não vai resolver o nosso problema... Mas o Incra vai criar assentamentos lá?’ [...] Aí, o Rolf já anunciou a criação da nova superintendência. E o Incra cria assentamentos lá na região, em terras públicas, e esses assentamentos serão as áreas que vão ofertar legalmente madeira para o setor madeireiro.”
Consultado sobre as palavras de Raimundo Lima, Tasso Azevedo é taxativo: “Não partiu de mim a idéia de socorrer o setor madeireiro do oeste do Pará por meio da criação de novos assentamentos em áreas com cobertura florestal primária”. Difícil saber quem mente, mesmo porque, na época da reunião mencionada por Lima, a imprensa registrou inúmeras declarações de Tasso em defesa dos madeireiros que exploravam madeira em terra pública. De qualquer forma, é impressionante como tudo o que ronda o Incra no Pará é obscuro e contraditório, sequer se harmonizando com o que diz o próprio governo federal.
Embora a autarquia oficialmente continue a fingir que nada disso existe, o Ministério Público Federal (MPF) já conhece bem a ligação promíscua entre o Incra e os madeireiros no oeste do Pará. O procurador da República, Felipe Fritz Braga, conta que em setembro último, em reunião envolvendo o MPF e representantes do Incra, ficou evidente a adoção de uma política para potencializar a exploração madeireira revestindo-a falaciosamente de reforma agrária: “Raimundo Lima disse ali abertamente para os quatro procuradores da República presentes que, na verdade, a política de criação de assentamentos pelo Incra em Santarém se inseria numa política mais ampla da autarquia, de aumentar de 2 por cento para 10 por cento a participação do Brasil no mercado internacional de madeira tropical”.

Madeireiro: “cliente da reforma agrária”
Nessa reforma agrária voltada à insaciável voracidade dos madeireiros, o Incra ignorou, até, a incompatibilidade entre os interesses dos madeireiros e dos trabalhadores sem terra. Para os primeiros, era necessário que os assentamentos fossem implantados em áreas com estoques ainda intocados de madeiras nobres, ou seja, nas distantes florestas primárias ainda não saqueadas. Porém, justamente essa condição eliminava qualquer chance de as famílias se instalarem no local.
Basta sobrepor o mapa dos novos assentamentos a uma imagem de satélite para se ver a que lado pendeu o Incra. Os PDS foram criados em distantes áreas inabitadas, e, também por serem de muito difícil acesso, cobertas por florestas virgens. A situação é absurda. Saindo-se de Santarém, por exemplo, viajam-se centenas de quilômetros atravessando áreas completamente desmatadas por gado e soja. Nesses locais não foram criados assentamentos. São latifúndios onde, muitas vezes, unem-se crime ambiental, trabalho escravo e grilagem de terras públicas, terras do Incra que foram federalizadas para a reforma agrária. A retomada dessas terras e sua destinação à reforma agrária é a mais evidente – e a mais negligenciada – obrigação do Incra. São áreas próximas aos centros urbanos e às estradas, com melhores condições de infra-estrutura e logística, onde a criação de assentamentos, além de viável, não traria dano ambiental e ainda poderia gerar alguma recuperação, como a das matas ciliares, por exemplo.

O PDS Brasília, no distrito de Castelo dos Sonhos, em Altamira (PA), foi batizado em homenagem ao sindicalista assassinado, Jorge Bartolomeu (o Brasília), o assentamento contorna toda á área já desmatada por grileiros (áreas rosas) e é implantado completamente em área de florestas virgens

O problema é que isso não atenderia o madeireiro. Em 2005 e 2006, não há um único assentamento no oeste do Pará que tenha sido resultado da retomada da posse de terras griladas e desmatadas. A própria base cartográfica do Incra mostra como os assentamentos contornam o pasto do grileiro com preciso cuidado e ficam limitados à área coberta por florestas onde o grileiro não desmatou.
Os madeireiros determinaram os locais onde deveriam ser implantados os assentamentos. Caso exemplar é o processo em que a madeireira Precious Woods Belém Ltda. manifesta interesse pela criação de um assentamento e indica as coordenadas geográficas para tal.
Na área indicada pela madeireira suíça e em seu entorno, foi criado o gigantesco PDS Liberdade I, com 450.000 hectares, capacidade para 3.500 famílias, das quais 942, segundo o Incra, já estão assentadas. Porém, o que acontece é um perfeito caso de assentamento fantasma. A área é ocupada por florestas primárias e não há nenhuma das famílias "assentadas" em seu interior, mas apenas a madeireira em plena atividade.
A madeireira manda. Escolhe e determina, de acordo com a sua conveniência, o local do assentamento, o modo de uso da terra e o número de famílias que devem ser assentadas. Ao Incra resta acatar as determinações e providenciar o necessário à sua efetivação.

Compromissos de campanha
Ariovaldo Umbelino de Oliveira aponta também para o envolvimento do governo do estado do Pará. “A governadora Ana Júlia Carepa assumiu uma série de compromissos políticos com os madeireiros durante sua campanha eleitoral. Isso está fartamente registrado na imprensa do Pará e mostra uma articulação política a partir do Incra, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do governo do estado do Pará”, comenta o geógrafo.
O MPF também levantou fatos que sinalizavam o próximo envolvimento entre o governo estadual e as madeireiras. “Em meados deste ano, em ação civil pública do MPF, foi suspenso um acordo entre o Incra e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, pelo qual seria possível a exploração de madeira em assentamentos que não tivessem qualquer licença ambiental. Portanto, o governo federal deixa o assentamento inviável, mas a exploração de madeira nele é garantida. É a política de reforma agrária na Amazônia garantindo o estoque madeireiro das empresas, mas criando o minifúndio governamental e jogando a população rural em áreas onde a ocupação é inviável”, explica o procurador Braga.
A tomar pelas declarações de Valmir Ortega, secretário do Meio Ambiente do Pará, realmente, parece não haver lei – do céu ou da terra – que o governo estadual não esteja disposto a descumprir para que, de qualquer forma, seja liberada a exploração madeireira.


Os números da reforma agrária
Não foi somente o madeireiro que lucrou com o grande esquema. O governo Lula divulgou números recordes de famílias assentadas pelo Incra referentes ao seu primeiro mandato. Os assentamentos de papel da SR-30 tiveram participação capital nas metas anunciadas como cumpridas pelo governo. Em 2006, 25% das famílias beneficiadas pelo reforma agrária foram homologadas pela SR-30
A demencial criação de assentamentos em áreas de floresta primária foi al´me de contentar o madeireiro, esse importante financiador de campanha, e também alimentou a burlesca fantasia dos números de assentados no II Programa de Reforma Agrária (PNRA) do governo Lula.
O programa Fantástico (TV Globo) e um Relatório Denúncia publicado pelo Greenpeace revelaram, em agosto último, que muitas famílias assentadas pela SR-30, na verdade, simplesmente não existiam. Eram mentira. Os assentamentos foram criados apenas no papel e um número imenso de famílias foi homologado em assentamentos que factualmente não existem, ou existem em lugares dos quais nunca ouviram falar e a dias de viagem de onde vivem. Muitas delas sequer sabem que constam como assentadas nos cadastros do Incra. Enfim, a terra não foi entregue às famílias que o Incra computou como assentadas. No interior dos assentamentos só se encontra uma voraz exploração das madeireiras.
Nos processos de criação dos assentamentos, as normativas que regulamentam a criação de assentamentos foram gritantemente ignoradas. Para Braga, esse atropelo cumpriu a função de suprir a inatividade de outras superintendências. “Toda a estrutura da superintendência foi usada para gerar números artificiais de assentados em 2005 e 2006. O Incra assumiu certas metas no II Plano Nacional de Reforma Agrária que não vinham sendo atendidas por outras superintendências Brasil afora”, explica o procurador da República.
Um servidor da SR-30 que pediu para não ser identificado conta que “as metas da SR-30 foram crescendo durante o ano de 2006. Inicialmente eram 15.000 famílias, depois aumentaram para 20.000 e pouco depois para 30.000. Na última semana do ano chegaram a 36.000. O objetivo sempre foi muito claro, era simplesmente para o governo dizer para a sociedade que tinha cumprido as metas do II PNRA”. O procurador Felipe Fritz Braga confirma a informação: “a cada viagem a Brasília, o superintendente trazia um novo aumento das metas”.
Os próprios servidores da SR-30, por meio de sua associação, a Assera (Associação dos Servidores da Reforma Agrária), confirmam o quadro generalizado de caos: “O mais absurdo de tudo é que assentamentos foram criados sem nenhuma das peças técnicas obrigatórias. Há processo em que há um oficio pedindo a formalização do próprio processo e logo em seguida a portaria de criação. O trâmite normal do Incra envolve desde a vistoria da área, consecução dos laudos de vistoria, mapas temáticos, pareceres de chefes, pareceres jurídicos, parecer de cartografia para evitar sobreposição de áreas de reservas ambientais, de terras indígenas, de unidades de conservação. A direção do Incra sabia disso e fingia que não sabia. Antes de os técnicos entregarem qualquer coisa dizendo se o assentamento era viável ou não, já existia uma portaria dizendo: ‘criado’ ”.

“Uma clara demonstração de desconsideração dos normativos internos”
“O nível de irregularidades nos processos de criação de assentamentos é assustador”, relata o Procurador da República, Felipe Fritz Braga, “a pressão sobre técnicos e servidores para que atropelassem todas as normas internas da autarquia foi tremenda”.
Apesar dos diretores nacionais, do Presidente do Incra e do ministro do MDA continuarem fingindo que nada acontece, para o Incra de Brasília, isso não é novidade alguma. Em junho último, um relatório interno do próprio Incra sobre a situação da SR-30, documenta um quadro surreal. No lugar dos diversos estudos de viabilidade e procedimentos formais, encontrou-se processos de criação de assentamentos “constituídos por apenas 3 páginas (memorando de formalização do processo, folha escrita ‘confere’ e cópia da Portaria de criação do projeto) numa clara demonstração de desconsideração dos normativos internos”, conforme o relatório do Incra.
Enquanto o presidente da autarquia e o ministro do MDA continuam o “faz de conta” que não existe nada, um grande grupo de servidores recém-ingressos no Incra e lotados na SR-30 reconhece o quadro de tramóias e se opõe a ele. À medida que foram tomando consciência das irregularidades em curso, assumiram, por meio da sua associação (Assera), uma postura de obediência às normas de execução da reforma agrária e recusaram-se a cumprir ordens que as contrariassem. Não fosse a postura desses jovens servidores, haveria um quadro ainda mais grave e, pior, em plena atividade.
Por conta de uma ampla gama de irregularidades, em 27 de agosto, a Justiça Federal atende liminarmente um pedido do MPF e interdita 99 assentamentos no oeste do Pará, que somam 30.000 km2, área equivalente ao estado de Alagoas.
Em 17 de setembro, o MPF tem atendido outro pedido de liminar e a Justiça Federal afasta do cargo cinco funcionários da SR-30, entre eles o próprio superintendente, Pedro Aquino de Santana, “homem da reforma agrária” de Lula. Acusação: envolvimento em toda sorte de improbidades administrativas.

“É por acreditar na legitimidade dos trabalhos executados na região que continuaremos...”
Toda a enorme tramóia é mais do que evidente e a situação do Incra no Pará perante a Justiça é, no mínimo, desconfortável. Ainda assim, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, em comunicado oficial acerca do afastamento do superintendente da SR-30, Pedro Aquino de Santana, declara que: “É por acreditar na legitimidade dos trabalhos executados na região que continuaremos as ações planejadas e vamos recorrer da liminar expedida”. A nota soa como ameaça, especialmente quando se sabe que “ações”, para a SR-30, têm significado a fabricação de números para a reforma agrária, atropelando as leis e as normativas da autarquia e, principalmente, criando assentamentos de papel para suprir a demanda do setor madeireiro no oeste do Pará.
O procurador da República em Altamira (PA), Marco Antonio Delfino, frente ao posicionamento de Hackbart, questiona como pode ser considerado legítimo uma situação que demandou, no último mês, a alocação de cerca de R$ 3 mi para que se corrigissem as inúmeras irregularidades cometidas. “A declaração de Hackbart comprova a improbidade: seja nos vícios cometidos na criação dos assentamentos; seja na liberação dos recursos para corrigir o que não está irregular”, completa o procurador.
Mas os sinais de que a política de reforma agrária voltada ao madeireiro irá continuar não fica na retórica de Hackbart. Com o afastamento de Pedro Aquino de Santana, o diretor Nacional de Programas, Raimundo Lima, foi nomeado como superintendente interino. O mesmo Raimundo Lima que participara em 2004 da reunião comentada acima, onde germinou o projeto de fazer assentamentos para resolver o problema dos madeireiros do oeste do Pará.
A nomeação é mais uma manifestação da postura de não reconhecimento do Incra nacional quanto às evidentes e públicas ilegalidades da SR-30. Como explica Braga, “reunimos depoimentos que apontam inclusive para a presença de Raimundo Lima na superintendência de Santarém ao longo dos trabalhos de criação desenfreada dos assentamentos nos dois últimos anos. Elogiava, na presença de todos os servidores, laudos agronômicos de péssima qualidade, como modelo de trabalho”.
Logo que acumulou o cargo de superintendente interino, Raimundo Lima anunciou que um dos objetivos do Incra é o desmatamento zero nos assentamentos. Mais um desaforo ao raciocínio de todos. Ora, como pensar em desmatamento zero se os assentamentos foram criados em meio a florestas virgens? Acaso o Incra pensa em transformar toda a agricultura familiar e a relação com a terra dos beneficiários da reforma agrária em uma atividade madeireira?
O desmatamento zero nos assentamentos seria absolutamente viável caso fosse feita “reforma agrária” no oeste do Pará. Caso o Incra retomasse as imensas porções de terras públicas ocupadas e já desmatadas por grileiros e lá criasse os assentamentos. Porém, parece que isso geraria dois grandes problemas: desagradaria aos grileiros e não atenderia a necessidade dos madeireiros.

Maurício Torres é pesquisador e trabalha na região oeste do Pará.

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