A governadora Ana Júlia Carepa (PT), do Pará, estado com o maior número de autuações por exploração de mão-de-obra, recebeu o maior volume de recursos. Foram, ao todo, R$ 252 mil de três empresas: a Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar), a Sidenorte Siderúrgica e a Siderúrgica Marabá S/A (Simara).
Embora não estejam na lista divulgada neste semestre, as duas primeiras indústrias figuravam, durante a campanha da petista ano passado, no cadastro criado pelo governo Lula, em 2003, para coibir esse tipo de crime em todo o país. Em nota encaminhada a este site após a publicação da reportagem, a assessoria da governadora disse que Ana Júlia não sabia da inclusão dos doadores no cadastro do Ministério do Trabalho e que o governo do Pará trabalha pela erradicação do trabalho escravo no estado (leia a íntegra da nota).
Principais doadores
Incluída na lista em julho deste ano, a Simara também aparece como financiadora de outros quatro políticos paraenses: os deputados federais Giovanni Queiroz (PDT-PA) e Wandenkolk Gonçalves (PSDB-PA) e os estaduais Bernardete ten Caten (PT) e Wanderley da Silva Santos (PV-PA).
Ao todo, a empresa doou R$ 190,49 mil. A Simara só fica atrás da Siderúrgica do Maranhão S. A. (Simasa), que destinou R$ 300 mil a nove políticos de seis estados, todos do Nordeste (leia a lista completa).
Entre os contemplados pela siderúrgica estão o governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), e os senadores José Maranhão (PMDB-PB) e Garibaldi Alves (PMDB-RN), candidatos derrotados ao governo dos seus estados. A Simasa foi autuada pelos fiscais do Trabalho por se abastecer de carvoarias que mantinham 57 trabalhadores sob condições consideradas subumanas.
Políticos denunciados
A "lista suja" traz ainda o nome de dois parlamentares como doadores. O senador João Ribeiro (PR-TO), condenado em primeira instância pela Justiça do Pará a pagar multa de R$ 760 mil por manter 35 trabalhadores em condições análogas à de escravo, doou R$ 18,75 mil para a campanha da deputada estadual Luana Ribeiro (PR-TO), sua filha. Procurado pelo site, João Ribeiro informou, por meio de sua assessoria, que não comenta o caso.
Outro deputado estadual, Francisco Dantas Ribeiro Filho (PMDB-MA), o Fufuca, doou para si mesmo R$ 79,80 mil. Desde dezembro de 2006, o nome do deputado aparece no cadastro do Ministério do Trabalho. Ele é acusado de manter 12 trabalhadores em condições subumanas em sua fazenda, a Piçarreira, localizada no município de Alto Alegre do Pindaré (MA). O deputado alega inocência: "Eu não merecia estar nesta lista".
Ministro do TCU
Este é o segundo levantamento publicado pelo Congresso em Foco com base na lista do MTE e na prestação de contas, na Justiça Eleitoral, de todos os candidatos que participaram das eleições de 2006. Na primeira relação (leia mais), divulgada em janeiro deste ano, apareciam 16 políticos e um total de R$ 550 mil. De lá pra cá, esses números aumentaram por causa das retificações de doadores feitos pelos próprios comitês e da inclusão de novas empresas acusadas na lista.
Entre os novos nomes identificados, aparecem o do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e ex-deputado Aroldo Cedraz (DEM-BA), o do ex-governador de Tocantins Siqueira Campos e o do quarto-secretário da Câmara, José Carlos Machado (DEM-SE).
Fiscalizações suspensas
A vinculação de políticos ao trabalho escravo voltou à baila na semana passada após os ataques da bancada ruralista no Senado aos fiscais que libertaram, em junho, 1.064 trabalhadores da fazenda da Pagrisa (Pará Pastorial e Agrícola S/A), principal produtora de álcool e açúcar do Pará.
Por causa da pressão dos senadores de uma comissão externa, criada para investigar a denúncia da própria empresa de que houve abuso por parte dos fiscais, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, responsável desde 1995 pelo resgate de mais de 25 mil trabalhadores, suspendeu suas atividades temporariamente.
As alegações da Pagrisa que geraram a polêmica são, basicamente, as mesmas utilizadas pela maioria dos parlamentares citados nesta reportagem ouvidos pelo Congresso em Foco: ora a falta de precisão no conceito do que vem a ser trabalho escravo, ora excessos da parte do ministério. Alguns argumentam, no entanto, que desconheciam a fonte dos recursos que receberam em suas campanhas.
“Surpresa”
Autuada por causa da libertação de 73 trabalhadores que forneciam matéria-prima para a companhia, a Simara, de Marabá (PA), está há pouco sob o comando do Grupo Aço Cearense. O advogado da empresa, César Ferreira, disse ao Congresso em Foco que nos 14 autos de infração aplicados pelo grupo móvel não há nenhuma situação que possa ser associada a trabalho análogo ao de escravo.
Segundo Ferreira, as infrações são de "natureza administrativa", como a falta de banheiros químicos na fazenda, o transporte sem a devida proteção de trabalhadores e a inexistência de relógios de ponto móveis, devido às grandes distâncias da fazenda.
"A inclusão na lista foi um grande surpresa para a empresa. Houve um exagero e não há nada que configure trabalho escravo", avalia o defensor da Simara. Para tentar retirar o seu nome da "lista suja", a empresa entrou com uma ação na 13ª Vara Federal em Brasília.
A principal alegação do Grupo Aço Cearense é que apenas 73 de um total de 400 trabalhadores da fazenda São Martinho, localizada na zona rural de São Bento do Tocantins (TO), foram libertados. "Se houvesse realmente trabalho escravo, eles deveram, por obrigação legal, libertar todos os 400 trabalhadores", diz Ferreira.
Sobre as doações de campanha na última eleição, o advogado afirma não ter conhecimento, pois apenas entre outubro e novembro de 2006 o grupo Aço Cearense assumiu o controle acionário da Simara. Mas, desde setembro 2005, segundo o advogado, grupo cearense tem participação na siderúrgica paraense.
Em fevereiro deste ano, o Instituto Carvão Cidadão (ICC), uma organização que auxilia na fiscalização das atividades relacionadas com a cadeia produtiva do carvão vegetal na Região Norte do país, divulgou uma relação com 312 produtores descredenciados pela entidade. A Simara estava na lista das descredenciadas.
Lista da vergonha
Divulgada a cada semestre desde novembro de 2003, a “lista suja” é regulamentada por decreto do Ministério do Trabalho. O nome do infrator só entra no cadastro após a conclusão do processo administrativo gerado pela fiscalização que libertou os trabalhadores.
A última relação, publicada em julho, implica 192 empregadores de 16 estados diferentes, entre pessoas físicas e jurídicas. O maior número deles é do Pará – 52 (27% do total).
Na seqüência aparecem: Tocantins (43), Maranhão (32), Goiás (24), Mato Grosso (16), Bahia (5), Mato Grosso do Sul (4), Minas Gerais, Santa Catarina e Rondônia (3), Piauí (2) e Rio Grande do Sul, Ceará, Amazonas, Rio Grande do Norte e São Paulo (1).
As sanções, no entanto, podem ir além do constrangimento e atingir o bolso dos empregadores. Mais de 100 empresas e associações que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo se negam a comprar, direta ou indiretamente, mercadorias produzidas por fazendas incluídas na “lista suja”. Entre elas, estão gigantes dos setores varejista e atacadista do país.
A saída do cadastro não é tarefa das mais simples. A propriedade tem de se submeter a dois anos de monitoramento do Ministério do Trabalho. Nesse período, o empregador deve pagar todas as multas resultantes da fiscalização bem como todas as pendências trabalhistas. Além disso, não pode haver reincidência do crime.
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