segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Após receber R$ 75 mil para soltar assassinos, juiz de Xinguara (PA) conquista aposentadoria


Juiz José Admilson Gomes: Doutora promotora, a senhora acha que é a ´rainha da cocada preta´"?... Foto site

Marcelo Auler


Dois anos depois de instaurado o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) 3374-63 para investigar o juiz José Admilson Gomes Pereira, , da 1ª Vara de Xinguara (PA), afastado desde outubro de 2014, finalmente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por unanimidade, determinou a sua aposentadoria compulsória.
Na decisão, tomada na terça-feira (04/10), a partir do voto do conselheiro relator Gustavo Alckmin, com 170 laudas, foi determinada ainda a remessa de copia de todo o processo para o Ministério Público Federal e a Procuradoria Geral de Justiça do Pará promoverem ações criminais e de improbidade administrativa contra o magistrado. Teoricamente, caso ele venha a ser condenado judicialmente será expulso do serviço público, perdendo o direito à aposentadoria.
Mas isso dificilmente acontecerá. Na verdade, quando se trata de processo contra magistrados ou até mesmo membros do Ministério Público, não se sabe se por conta do spiritus corpus ou se por serem réus que aprenderam a usar as leis e códigos a favor da procrastinação, são raros os casos de aposentados compulsoriamente expulso do serviço público. O ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SP) é uma exceção
Um exemplo evidente é o do ex-ministro Paulo Geraldo de Oliveira Medina, do Superior Tribunal de Justiça. Ele, juntamente com os ex-desembargadores do TRF-2, José Eduardo Carreira Alvim e José Ricardo Regueira (falecido em 2008); e ainda o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP) Ernesto da Luz Pinto Dória; e o procurador Regional da República, José Sérgio Leal Pereira, foram pegos beneficiando o esquema de exploração de jogos eletrônicos, em 2007. Mas, até hoje não foram julgados pelas acusações surgidas na chamada Operação Furacão.
Ou seja, decorridos nove anos e meio, o Judiciário não conseguiu apreciar essas ações penais. Uma delas, ao que parece, está desaparecida. A outra, foi suspensa e provavelmente não levará a nenhuma punição.
Além da aposentadoria proporcional, o juiz Gomes Pereira ainda fará jus, como noticiamos em CNJ garante a juiz afastado, que não mora na comarca, auxílios moradia e alimentação, aos auxílios alimentação e moradia retroativos à data do seu afastamento, conforme o próprio CNJ decidiu. Isso lhe será pago mesmo ele não sendo mais visto na comarca onde deveria trabalhar. Supõe-se que esteja na capital do estado. Por não ser obrigado a cumprir jornada, pode se alimentar em qualquer lugar, inclusive em casa, mas receberá os atrasados do auxílio alimentação, como se trabalhando estivesse.
Conselheiro Gustavo Alkmin, voto de 170 páginas para propor a punição ao juiz do Pará - Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Conselheiro Gustavo Alkmin, voto de 170 páginas para propor a punição ao juiz do Pará – Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Embora o processo contra Gomes Pereira foi aberto  após diversas e variadas denuncias relatadas à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Pará e ao CNJ, por reclamantes distintos – OAB, advogados, juiz,- a principal causa de sua “punição” foi pelo recebimento de quantia indevida em contra partida a soltura de réu.
Anteriormente, julgado pelo Tribunal de Justiça do Pará, ele chegou a ser inocentado em um processo administrativo. Isso levou a Corregedoria Nacional do CNJ avocar o caso. Em seguida, o Conselho instaurou o PAD julgado na sessão de terça-feira.
Decisão negociada – Em 17 de março de 2014, Gomes Pereira soltou Carlos José Campos Souto, José Carlos Gomes Lacerda e  Cícero Cardoso  do Nascimento, presos desde outubro de 2013, apontados como responsáveis pelo assassinato de Tales Santana Silva. A morte de Tales, que teve uma relação extraconjugal com a mulher de Campos Souto, foi encomendada por este aos outros dois.
Com base em documentos bancários e fiscais relacionados ao magistrado e seus parentes, o processo no CNJ comprovou os depósitos ilegais em favor do juiz e de seus familiares. Curiosamente  tais documentos foram encaminhados ao Conselho como prova compartilhadas pelo Tribunal de Justiça do Pará, o mesmo que absolveu o juiz no processo administrativo.
Segundo mostrou a documentação, três dias antes de os presos serem libertados, Deuzimar da Silva,um motoqueiro que presta serviços para Eciene Maria da Silva e Souza, corretora de seguro na cidade, fez um depósito, sem identificação, de R$ 75 mil na conta do professor Valmir Gomes Pereira, irmão do juiz e residente do Amapá. O dinheiro, em espécie, foi repassado a Eciene pela irmã de Campos Souto, Marcia Campos. Cópias do comprovante de depósito circularam pela cidade. Uma delas foi enviada anonimamente à OAB do município paraense que representou contra o magistrado.
Em sua defesa, o Gomes Pereira alegou que se tratava de uma transação de Valmir com João Santos. Mas os documentos encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) confirmaram que o depositante foi realmente Deuzimar. Conforme o relator do processo no CNJ, o “suposto empréstimo é nebuloso, pois nem o CPF do João Santos foi informado ou qualquer detalhe que permitisse a confirmação”. Alkmin destacou ainda que “não há maiores informações sobre relação de João Santos com Deuzimar”.
Não foi o único valor suspeito remetido ao juiz Gomes Pereira. Sua cunhada, Norma Letícia Cruz Ferreira, recebeu depósitos de R$ 89,3 mil sendo que R$ 44 mil não identificados e R$ 45 remetidos pelo irmão do magistrado. Ela sacou os R$ 89 mil o que, segundo o voto do relator “sugere a utilização de “conta-passagem”, nos termos do relatório do MPF”.
Lindalva, companheira do juiz, recebeu um montante de R$ 83 mil de crédito, dos quais R$ 69 mil destinados por depositantes não identificados; R$ 7 mil por Gomes Pereira; e R$ 3 mil por Norma Letícia.
O próprio juiz, segundo destacou o relator Alkmin, recebeu em suas contas, no período de 2013/15, um montante de R$ 77 mil, dos quais R$ 65.800 relativos a créditos não identificados.
Ao propor seu afastamento com a aposentadoria compulsória proporcional ao período trabalhado, o relator ainda confirmou outros casos de desrespeito à legislação. O juiz, por exemplo, reviu – sem ter poderes para tal – decisão de colegas seus. No voto, Alkmin diz que, ao fazer a reconsideração, o magistrado proferiu “decisão com conteúdo ofensivo e desrespeitoso. Em uma interferência direta e pública fazendo papel do corregedor que ele não tem”. Uma medida que demonstrou “total falta de urbanidade, expondo e criticando publicamente seu colega”.
A demora no processo no CNJ fez com que o caso passasse por dois conselheiros na relatoria do caso. Em março de 2015, o primeiro relator, conselheiro Flávio Sirangelo, ao justificar ao plenário a necessidade de estender o prazo de apuração do processo, explicou:
“Impressiona a conduta do juiz processado ao procurar agir para procrastinar o andamento do PAD, mediante tentativas ostensivas de evadir-se da citação inicial, o que sugere a conduta intencional e maliciosa de fazer expirar o limitado prazo de tramitação do processo e, com isso, obter o seu retorno à jurisdição, deixando evidente, contudo, o perigo que esse retorno poderia causar para o bom andamento da instrução processual”,argumentou o conselheiro no voto apresentado ao plenário
Na verdade, o que impressiona é a nossa legislação beneficiar um magistrado, mesmo depois dele cometer crimes que deveria, por dever de ofício, combater e punir seus responsáveis. Mas ele não apenas ajudou criminosos como também cometeu seus delitos. Não foi apenas um, mas vários. Apesar disso, ficará em casa recebendo dos cofres públicos.
Não se trata de caso isolado. Segundo um levantamento do blog junto ao site do CNJ, hoje estariam nessa condição – recebendo para ficar em casa – pelo menos 44 magistrados que foram aposentados compulsoriamente. Não existe no site informações de quanto esses juízes recebem. Mas, em uma conta conservador, calculando-se um salário médio de R$ 15 mil, conclui-se que se gasta R$ 660 mil mensais, R$ 8.580.000, anuais. O equivalente a 9.750 salários mínimos. Trata-se como falamos de uma conta conservadora. Provavelmente deverá ser mais. Muito mais.

Nenhum comentário: