quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

RETRATO DO "CARECA"


Bye

por : Leandro Fortes

José Serra não está deprimido: ele é a própria encarnação da depressão.
Golpista, dissimulado, entreguista, ególatra, a existência física e política de Serra é depressiva, 
inclusive para seus correligionários, desde sempre.
É óbvio, até para os colunistas que lhe prestam vassalagem, que Serra está abandonando o barco do 
governo golpista porque lhe negaram o protagonismo necessário – única razão de viver de gente 
como ele.
Era um ministro inútil dentro de um governo lamentável, pego em flagrante em um esquema de 
propinas depositadas na Suíça, enquanto bradava, com essa hipocrisia tão peculiar aos tucanos, 
contra a corrupção alheia.
Talvez pense que, abandonando o barco como uma ratazana esperta, tudo isso passe batido pela 
História.



Não passará.
Serra tornou-se conhecido quando, presidente da UNE, em 1964, fugiu do País antes mesmo de um 
único disparo ter sido feito pelos golpistas de então. Foi para o Chile e, curiosamente, partiu então 
para os Estados Unidos, de onde voltou mentindo que era economista.
De lá para cá, virou um devotado súdito do Tio Sam, a quem prometeu – e cumpriu – entregar as 
reservas de petróleo do Brasil.
Agora, levará sua depressão atávica de volta ao Senado Federal, atualmente, um ambiente mais que 
perfeito para sua recorrente prostração moral.
Será mais um golpista numa bancada de traidores da pátria que, espero, sejam julgados ainda durante 
esse apodrecimento em vida transmitido, dia e noite, em tempo real.
Com ou sem delação e dor nas costas, Serra não cumpre 
mandato desde 1995



por : Mauro Donato

É muito provável que seja verdade até porque, para alguém na idade de José Serra, alegar dor nas 
costas é mamão com açúcar. Mas de concreto, o que temos é que o tucano mais uma vez em sua 
trajetória política abandona o ninho.
Para tornar-se ministro das Relações Exteriores do governo de Michel Temer, José Serra largou a 
posição de senador pela qual tinha sido eleito pelo voto popular em 2014. Agora pediu exoneração.
Uma batida de olho no currículo de José Serra faria com que ninguém se espantasse em relação a 
isso. Na realidade, desde 1995, quando deixou de ser deputado para se eleger senador, Serra nunca 
mais concluiu nenhum cargo eletivo. São 22 anos de tradição.
Naquele ano, o tucano já dava mostras de sua efemeridade diante de compromissos assumidos com a 
população. Seu mandato como senador durou poucos meses, abandonando-o para se tornar ministro 
do Planejamento de Fernando Henrique Cardoso.
E assim tem sido desde então. Faz pequenos tiros de 100 metros em ministérios de tempos em 
tempos enquanto ludibria as urnas.
Em 2002 deixou o cargo de ministro da Saúde para tentar a Presidência (perdeu para Lula). Em 2004 
venceu a corrida para a prefeitura de São Paulo. Serra então assumiu publicamente o compromisso 
de não abandonar o cargo para concorrer a outro.
Chegou inclusive a assinar um documento no qual prometia cumprir os quatro anos de mandato. 
Dois anos depois ele abandonou a prefeitura para disputar o governo do Estado.
Quando confrontado, respondeu: “Eu assinei um papelzinho. Não era nada…” Largou a Prefeitura e 
então elegeu-se governador. Antes do fim do novo mandato, deixou o Palácio dos Bandeirantes para 
se candidatar à Presidência da República.
Com a fama de transeunte no poder público já correndo solta, em 2012 José Serra concorreu 
novamente à prefeitura de São Paulo e assim declarou: “Vou cumprir o mandato de prefeito por 
quanto tempo o mandato durar, ou seja, até 2016. Exercerei os quatro anos, isso é mais que uma 
promessa.” Não houve necessidade de cumpri-la. Perdeu a disputa para Fernando Haddad.
Alguma surpresa, portanto, com o fato de ele largar o posto mais uma vez? Esse movimento é para 
descolar-se do governo Temer visando evitar o desgaste inevitável dos próximos meses e lançar-se 
candidato em 2018? Ou as delações da Odebrecht já estão lhe dando dores de cabeça, dores nas 
costas, dores de barriga?
Serra é citado por executivos da empreiteira como destinatário de R$ 23 milhões em doações 
irregulares via caixa dois para sua campanha presidencial (oficialmente, a Odebrecht declarou ter 
doado pouco mais que 10% disso, apenas R$ 2,4 milhões para o Comitê Financeiro Nacional para 
Presidente da República).
Serra, segundo os delatores, recebeu tanto no Brasil quanto por meio de depósitos bancários 
realizados em contas no exterior.
A afirmação foi feita a procuradores da força-tarefa da operação Lava Jato e da PGR (Procuradoria-
Geral da República). Nas planilhas da construtora, Serra é tratado pelos apelidos de “Vizinho” e 
“Careca”. O segundo por razões óbvias; O primeiro decorre do fato de Serra ter sido vizinho de 
Pedro Novis, presidente da empreiteira.
Na carta, Serra afirmou que a função de chanceler demanda viajar muito de avião – o que seus 
médicos desaconselham – mas informa que voltará a exercer seu cargo como senador no Congresso. 
Ora, chanceler não voa de classe econômica. Não fica devendo nada à poltrona de senador.
A coluna cervical de José Serra suporta que ele fique sentado no Congresso como senador, mas 
dentro de um avião como chanceler não? Algum quiroprático se arrisca a responder?


Serra numa montagem do Intercept Brasil
por : Joaquim de Carvalho

O pedido de demissão de José Serra do governo de Michel Temer remete a um comentário que a jornalista Miriam Dutra fez quando cogitava detonar a corte tucana, da qual ela fez parte como mãe de um filho assumido tardiamente pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
“O Serra tem uma relação de amor e também de inveja do Fernando Henrique, ele vê o Fernando Henrique como um irmão mais velho que ele tenta imitar, mas não consegue”, disse ela.
Era fevereiro de 2016 quando ela fez esse comentário, nos dias em que passei em Barcelona e a entrevistei (veja aqui o documentário).
Três meses depois, quando a Câmara aprovou o processo de impeachment e colocou no poder os políticos que tinham sido derrotados na urna – que nome tem isso senão golpe? –, Serra ficou com o Ministério das Relações Exteriores.
Era a mesma pasta que Fernando Henrique ocupou quando Itamar Franco assumiu a presidência, 24 anos antes, no impeachment de Fernando Collor.
Talvez Serra, no ministério de Temer, se sentisse mais próximo da cadeira que ele tentou ocupar em duas eleições e perdeu. Quem sabe a crise política de 2016, como a de 1992, não lhe abrisse um novo caminho, com o protagonismo dele num governo sem brilho.
Mas, se falta brilho na presidência de Michel Temer, sobra truculência e não é fácil encontrar espaço onde quem se destaca é Alexandre de Moraes.
Até Moreira Franco já incorporou esse novo padrão, ele que era tido como um cavalheiro até por adversários e agora surta em entrevistas.
Poucos conhecem Serra como Fernando Henrique Cardoso, que registrou no primeiro volume dos seus “Diários da Presidência” uma observação sobre o aliado, que também nunca deixou de ser rival.
José Serra, apesar de convidado, não foi a uma cerimônia no Chile em que Fernando Henrique seria homenageado. Segundo o ex-presidente, José Serra “não se sente bem vendo homenagens que não sejam a ele”.
Apesar disso, os registros de Fernando Henrique mostram que Serra era um dos seus interlocutores mais frequentes. Ia muitas vezes sozinho almoçar ou jantar com o então presidente no Palácio do Alvorada e discutiam que ministério Serra poderia ocupar, depois que ele perdeu a eleição para prefeito em São Paulo, em 1996.
Fernando Henrique diz: “Se o Serra quiser, tenho um compromisso moral com ele, porque ele se jogou na campanha de São Paulo, e preciso manter o que disse naquela ocasião.”
Serra queria a área econômica, mas Fernando Henrique desejava manter Pedro Malan e, numa reflexão sobre os dividendos políticos que Serra poderia ter, disse que não havia muito mais a fazer no Ministério da Fazenda depois que ele, FHC, havia liderado a criação do Plano Real.
O impasse dura mais de um ano. Fernando Henrique registra que teve uma conversa franca com ele, depois de ouvir críticas à sua lealdade:
“Poucos têm o seu talento. Intelectualmente você pode se comparar com muito pouca gente, comigo e pouca gente mais na área política (…), não obstante está no ponto mais baixo da sua carreira.”
Segundo Fernando Henrique, Serra quis saber que problema ele tinha.
“Para mim, você não conseguiu ter liderança.”
Serra, relutante, aceitou ser ministro da Saúde, mas fez exigências quanto ao orçamento. Mas, pouco depois, Brasil passou por uma de suas piores crises econômicas.
Quando se estudavam cortes no orçamento, Serra pressionou o presidente e pelo menos duas vezes ameaçou se demitir:
“O Serra insiste, vai à imprensa, dá a impressão de que joga contra o governo. (…) Serra é um bom ministro, mas a falta de solidariedade aos outros ministros pesa. Terceiros me dão detalhes de coisas com a imprensa e com os empresários que são desagradáveis de serem sabidas por mim. Serra não é egoísta, mas autocentrado no que está fazendo.”
Em relação aos terceiros que lhe dão detalhes, FHC cita, em outra passagem do livro, Otávio Frias de Oliveira, então proprietário da Folha, e João Roberto Marinho, da Globo.
João Roberto lhe contou que Serra era a fonte das notas publicadas pelo jornal O Globo a respeito de uma crise na equipe econômica chefiada por Pedro Malan.
E Frias diz a Fernando Henrique Cardoso que Serra ligou para jornal e pediu destaque a uma nota que ele divulgaria mostrando que o governo federal havia reduzido os gastos com Saúde e Educação.
Fernando Henrique conta que, quando a nota foi divulgada, no tiroteio amigo, procurou Serra por telefone, mas não o encontrou e o chefe de gabinete do então ministro da Saúde, Barjas Negri, não retornou sua ligação.
A crise política, na época, foi enorme, e um editorial do Estadão defendeu a demissão de Serra. “Deslealdade se pune com demissão” era o título. Fernando Henrique diz que não quis (ou não teve força) para tirar Serra do governo.
Numa conversa que tiveram alguns dias depois, FHC contou que os donos dos jornais haviam entregado Serra. Segundo ele, Serra fez “cara de paisagem”.
No livro de FHC, sabe-se que Serra tinha seus trunfos.
“Basta ler os artigos de Elio Gaspari, que são obviamente escritos por inspiração do Serra.”
Serra também sabia com antecedência os resultados das pesquisas do Datafolha, que lhe eram passados pela direção do jornal.
Quando uma pesquisa indicou a subida de Lula e a queda de Fernando Henrique, o então presidente jantou com um especialista em marketing eleitoral e lá também estavam Serra e o jornalista Fernando Lemos.
Fernando Henrique não diz que Fernando Lemos era cunhado de Miriam Dutra e não há nas suas memórias nenhuma referência ao papel de Fernando Lemos no relacionamento com Miriam e o filho “exilados” na Europa.
Era Lemos quem levava o filho de Miriam para visitar Fernando Henrique – segundo Miriam, ele esteve uma vez no Palácio do Alvorada.
Lemos também ajudava na parte material. Além do salário que a jornalista Miriam Dutra recebeu da Globo, sem necessariamente trabalhar, ela teve um contrato de fachada com a Brasif, concessionária do governo federal, assinado com intermediação de Lemos.
Na parte do suprimento de recursos, Serra também teve papel relevante. Mas nada disso está no livro de FHC.
Segundo Miriam, entre 1998 e 1999, era ele – e o primo dele, Gregório Preciado – que liberava recursos para a reforma do apartamento dela em Barcelona.
Serra chegou a visitar Miriam na capital da Catalunha, para, segundo ela, verificar como andava a reforma. Juntos viajaram para Andorra. Foi nesse contato mais próximo com o ex-ministro que Miriam teve maiores impressões sobre a rivalidade latente entre ele e Fernando Henrique.
Miriam foi a namorada de FHC e Serra se aproximou da irmã dela, Margrit Dutra Schmidt, que até pouco tempo atrás tinha um cargo do gabinete dele no Senado.
“Acho que, desde o tempo do exílio dos dois no Chile, o Serra sempre procurou, de alguma forma, ser como o Fernando Henrique”, comentou Miriam.
A saída de Serra do Ministério das Relações Exteriores e do governo Temer pode indicar que, para ele, o sonho de ser Fernando Henrique acabou.
Visto por outro ponto de vista, a saída de Serra pode ser explicada como a acomodação de um governo que se formou pela força – não das armas –, mas do peso desproporcional de dois Poderes da República – o Congresso e o Supremo Tribunal Federal –, que permitiram o afastamento de uma presidente sem crime de responsabilidade.
Serra era um príncipe na corte de Fernando Henrique Cardoso, podia pintar e bordar. Com Michel Temer, esse papel cabe a quadros de outro calibre: Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Moreira Franco e, claro, Alexandre de Moraes.
O sociólogo Jessé Souza usa uma imagem interessante para definir o que está acontecendo no Brasil desde maio de 2016, no seu livro A Radiografia do Golpe.
“Como todo espectador de filme de gângster sabe muito bem, é fácil juntar aventureiros para assaltar um banco. Difícil é dividir o saque depois”, escreve Jessé.
Eduardo Cunha e outros já ficaram pelo caminho, agora é a vez de Serra.
_______________________________________________

Nenhum comentário: